Notícias - Os Riscos à Sustentabilidade das Operadoras de Planos de Saúde e do SUS

Os Riscos à Sustentabilidade das Operadoras de Planos de Saúde e do SUS

O Supremo Tribunal Federal está atualmente julgando a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 7.265, proposta pela União Nacional das Instituições de Autogestão em Saúde (UNIDAS), que questiona a constitucionalidade da Lei 14.454/2022. Tal norma alterou a Lei dos Planos de Saúde (Lei nº 9.656/1998), determinando que a lista de procedimentos e eventos em saúde da ANS – o chamado rol de cobertura obrigatória – deve ser apenas exemplificativo, e não taxativo, como anteriormente consolidado pelo entendimento do Superior Tribunal de Justiça.

Essa mudança legislativa, como resposta ao  julgamento da 2ª Seção do STJ, em junho de 2022, que decidiu por maioria, nos EREsp 1.886.929 e 1.889.704. que o rol seria taxativo,  foi recebida sob o clamor social por mais acesso a tratamentos e terapias, principalmente os de alto custo, agora encontra-se sob forte escrutínio constitucional, justamente por seus potenciais impactos sistêmicos e riscos estruturais à saúde suplementar e pública no Brasil.

1. A Lei 14.454/22 e o Rol da ANS: Do Taxativo ao Exemplificativo

A Lei 14.454/22 estabelece que os planos de saúde são obrigados a cobrir tratamentos que, embora não constem do rol da ANS, tenham eficácia comprovada cientificamente ou sejam recomendados por órgãos internacionais. Na prática, essa regra abre margem para a judicialização em massa de coberturas, reduzindo drasticamente o papel regulatório da ANS enquanto agência técnica responsável pela avaliação da efetividade, segurança e custo-efetividade das tecnologias em saúde.

Essa relativização do rol compromete o princípio da segurança jurídica, uma vez que torna incerta a previsibilidade contratual para operadoras e dificulta o cálculo atuarial necessário para manutenção do equilíbrio financeiro dos contratos.

2. Riscos à Sustentabilidade Econômica das Operadoras

A adoção de um rol exemplificativo gera obrigações ilimitadas para as operadoras, sem que haja previsão de custeio, aumento proporcional de mensalidades ou capacidade de absorção de novas tecnologias de forma criteriosa e escalonada.

Do ponto de vista econômico, há uma clara ameaça ao princípio do mutualismo, que rege a saúde suplementar, pois os contratos passam a ser impactados por decisões judiciais isoladas que impõem tratamentos de alto custo a partir de laudos médicos particulares, sem observância das evidências científicas aceitas pelas diretrizes clínicas da ANS.

Com isso, operadoras de médio e pequeno porte correm sério risco de insolvência. Grandes operadoras, ainda que com maior robustez financeira, enfrentarão um cenário de desequilíbrio que pode levar a reajustes elevados de mensalidade, migração de beneficiários para o SUS e retração do setor suplementar.

3. Riscos ao Sistema Único de Saúde

A desestabilização da saúde suplementar impacta diretamente o SUS, ao qual é transferido todo o contingente de pacientes que, por inadimplência ou falência contratual, perdem seus planos de saúde. Em um cenário de crise fiscal e crescente demanda, a pressão sobre o SUS se intensificará, agravando filas, dificultando acesso e comprometendo a integralidade do atendimento público.

Além disso, o SUS é regido por políticas públicas com critérios técnicos de incorporação de tecnologias (via CONITEC), que levam em consideração a viabilidade orçamentária. Ao se permitir que, na saúde suplementar, essa avaliação seja substituída por decisões judiciais caso a caso, cria-se uma desigualdade estrutural no acesso e uma distorção entre os sistemas.

4. A Importância da Segurança Regulatória

A manutenção da competência técnica da ANS para definir o rol de coberturas é essencial à governança do setor. A atuação da Agência é baseada em critérios científicos, técnicos e econômicos, considerando tanto os benefícios clínicos quanto a sustentabilidade do sistema como um todo.

Embora seja legítima a preocupação com o acesso à saúde, é preciso reconhecer que o texto constitucional remete ao Estado o dever de assegurar, de modo gratuito e universal, a saúde, e ao sistema suplementar, de forma privada a sua participação.

Neste sentido, a judicialização desordenada, sem critérios técnicos uniformes, pode levar ao colapso do modelo de saúde suplementar, que hoje atende mais de 50 milhões de brasileiros. Logo, a solução não está em desconstituir a função reguladora da ANS, mas em aperfeiçoar seus processos de avaliação e incorporação de novas tecnologias, com maior transparência, agilidade e participação social.

5. Conclusão

A decisão do STF na ADI 7.265 será determinante para o futuro da saúde suplementar brasileira. Caso se confirme a constitucionalidade da Lei 14.454/22 sem ressalvas, o país poderá assistir a um aumento substancial das ações judiciais, colapsando o equilíbrio econômico-financeiro das operadoras e sobrecarregando ainda mais o SUS.

É urgente e necessário que o Judiciário leve em consideração os impactos sistêmicos de sua decisão, ponderando o direito individual à saúde com o princípio da sustentabilidade coletiva. A saúde suplementar precisa de segurança jurídica, previsibilidade regulatória e equilíbrio contratual – valores que não podem ser enfraquecidos sem comprometer toda a estrutura do sistema de saúde brasileiro.

Escrito por: Paulo Henrique de Assis Góes (sócio)